quarta-feira, dezembro 21, 2011

NATAL, UMA VEZ POR ANO



Natal, uma vez por ano
Ricardo Gondim


Eu era menino e achava que o natal devia acontecer todas as semanas. Depois, na adolescência, pensei que um por domingo era demais. Na vida adulta, acabei me contentando com dois natais: o meu e o de Cristo.

Chego à madureza sem detestar ou supervalorizar o natal.

Acho bom que uma vez por ano pelo menos, alguns saiam da rotina e visitem hospitais, lares de idosos, creches. Sei, sei, isso devia ser feito semanalmente. Concordo, natal serve para aliviar a consciência de quem gastou os outros trezentos e sessenta e poucos dias do ano basicamente com ele mesmo. Mas não sejamos tão cruéis com a humanidade – pequenos gestos valem.

Acho bom que uma vez por ano pelo menos, procuramos nos comportar como o Samaritano da parábola. Mesmo com todo o apelo consumista, intuitivamente, recordamos que Jesus de Nazaré contou aquela estória não só para nos ensinar a ser bons, mas para deixar claro quem viverá com Deus. Certo rapaz perguntou-lhe o que devia fazer para herdar a vida eterna. “Ame a Deus e ao seu próximo”, respondeu o Rabino de Cafarnaum. Como não estava mesmo interessado com a resposta, o mancebo retrucou: “E quem é o meu próximo?” Daí nasceu a parábola: “Um homem viajava por uma estrada deserta e perigosa. Assaltantes o abordaram e tiraram tudo o que possuía; depois de espancar, deixaram o pobre meio morto na beira da calçada. A caminho dos ofícios religiosos, passavam por ali sacerdote e teólogo. A dor do que agonizava não os sensibilizou. Eles não pararam; provavelmente, sem tempo para socorrer o moribundo. Mas um estrangeiro o viu naquele estado miserável e se condoeu. Parou e cuidou dele”. O arremate de Jesus foi contundente: “Aprenda a reconhecer no desconhecido o seu próximo. Se quiser herdar a vida eterna, cuidado, nunca seja indiferente; aja como o samaritano”.

Acho bom que uma vez por ano pelo menos, nos lembramos de reunir família e gente querida ao redor da mesa. Juntos fazemos uma refeição litúrgica e comer se torna um rito sagrado. Avisamos à alma: precisamos parar e esperar uns pelos outros. Dizemos que “com-panhia” (com-pão) tem a ver com a alegria de repartir. De tarde, enquanto se prepara a comida, do forno quente brotam memórias. Empilhados, cada prato tem dono (alguns se foram, meu Deus, quanta saudade!). E o brinde promete continuarmos juntos, venha o que vier. Jantamos. As grades do berço primordial, que um dia nos protegeu, ganham ares de parapeito. As pessoas que amamos são o parapeito, a segurança mínima, que precisamos na vida inclemente, e no precipício do tempo.

Acho bom que uma vez por ano pelo menos, acendemos luzes e, de alguma forma, nos conectamos a Deus, pai das luzes, que não abriga sombra em seu caráter. Se somos ambíguos e sutis em nosso convívio, no natal procuramos ser íntegros. Esforçamo-nos para não deixar o lado cavernoso, dissimulado, escuro, reinar sobre o resto de nossa humanidade. Escrevemos votos de alegria, reanimamos a esperança e apostamos na grandeza do outro.

Acho bom que uma vez por ano pelo menos, celebramos o Deus menino. O reino celestial, nos garantem os Evangelhos, tem características infantis. Cristãos festejam a fragilidade do bebê que dependeu dos braços maternos e das decisões paternas para sobreviver. Esvaziado, humilde e carente, Deus se revelou à humanidade numa estrebaria. Talvez nessa revelação repouse a mais alvissareira mensagem do cristianismo: Deus abraçou a humanidade em sua pequenez. Desde cedo, no desterro do Egito, conviveu com olhares odiosos. Criticado dentro de casa, soube amargar a incompreensão. Caçado e morto por sacerdotes e políticos promíscuos, experimentou o abandono derradeiro. No que sofreu, Jesus se tornou o patrono dos desgraçados, paraninfo dos sem-teto, amigo de proscritos. Ele é o ânimo dos que se desgastam pela justiça; o aceno de esperança para os que nadam contra a correnteza. Nele reside a promessa de que o bem semeado no mar da iniquidade jamais será esquecido.

Acho bom que uma vez por ano pelo menos, cuidamos para que cínicos não tomem conta da vida. Sempre vale a pena celebrar, se acendemos uma centelha, um brilho, nos olhos de algum pobre, doente, idoso, discriminado, exilado, viciado, abandonado. Se não conseguirmos, podemos até fingir que estamos alegres no natal; quem sabe a gente gosta de se sentir alegre e quer repetir o natal em outros dias?

Soli Deo Gloria
extraído do site www.ricardogondim.com.br.





Antigos posts meus sobre o Natal:
- Aleluia, versão soul http://bit.ly/htaj0d
- A lenda da bengalinha – candy cane http://bit.ly/ia9DfW
- Músicas tradicionais - http://bit.ly/gh4bof
- Já é Natal na Leader Magazine http://bit.ly/hyh6bk
- Bela estrela, a mais bela poesia http://bit.ly/frptz0
- Mary, did you know? http://bit.ly/ecAcO6



sábado, dezembro 17, 2011

A VIDA É TÃO RARA!

Eu sempre gostei de circo. Quando criança, em Teresópolis, sempre que tinha circo eu e meus irmãos íamos ver  "o maior espetáculo da terra", o que, na minha concepção criança, não era exagero algum. Meu primeiro circo foi o Garcia, depois o Vostok... Lembro de fazer coro com as crianças: "Hoje tem marmelada? Tem sim, senhor! Hoje tem goiabada? Tem sim, senhor! E o palhaço, o que é? Ladrão de mulher!" Outros circos vieram, mas só me lembro do último que assisti lá, o do Marcos Frota. Cresci, mudei, e fui em outros circos... a última vez, há uns dois ou três anos, aqui na Praça XI, no Rio, um circo do qual esqueci o nome, mas que tinha um balé das águas... 


Mas, por que toda essa conversa de circo?






Em 1989 me mudei para Niterói. Conversando com algumas pessoas, soube que lá nunca tinha circo, pois a cidade tinha ficado traumatizada por uma tragédia ocorrida muitos anos antes, num circo que se apresentava lá. Ouvi alguns relatos curtos, que falavam do grande incêndio, do desespero da população, dos milhares de voluntários que se uniram para levar gelo e água aos hospitais onde os feridos estavam. Também soube que foi aí o surgimento do Profeta Gentileza, figura mítica aqui do Rio, que deixou sua marca pintada em painéis nos pilares dos viadutos próximos à Rodoviária Novo Rio: "Gentileza gera Gentileza.


Essa semana, zapeando a TV, descobri que o incêndio no Gran Circus Norte Americano em Niterói, a maior tragédia num circo no Brasil, completa 50 anos hoje, 17 de dezembro de 2011.


Em 50 minutos, quase 400 pessoas foram mortas no local, além de mais de 100 outras vítimas nos hospitais, entre queimados e pisoteados. O Estádio Caio Martins virou uma fábrica de caixões. Durante dias, pessoas doavam sangue, água, medicamentos, lençóis e gelo. Muitos corpos nunca foram reconhecidos e até hoje pessoas tentam saber notícia dos seus desaparecidos.


Por volta do ano 2000, eu estava morando mais uma vez em Niterói. E depois de tanto tempo, era a primeira vez que um circo estava lá. Muitos dos moradores mais antigos não quiseram ir, pois o trauma vivido ainda doía. Mas eu fui. E foi a primeira vez que a minha filha, com seus 4 anos, ia em um circo. Foi muito lindo ver os seus olhinhos brilhando com o que ela via, a carinha de susto e apreensão com os malabaristas e trapezistas, o riso solto com os palhaços.


As tragédias acontecem e com uma frequência muito maior do que podemos digerir, isso é fato. E se tem uma coisa que devamos aprender com elas é que devemos valorizar a vida, que, no seu sentido pleno, se torna cada vez mais rara. Afinal, o espetáculo não pode parar...


Desde o dia 15 já sabia que iria escrever algo hoje, no dia do "aniversário" do incêndio no circo. Mas nem de longe poderia imaginar que escreveria logo após receber a notícia do suicídio de um amigo.  


É, a vida é tão rara!




Nos links a seguir, história e depoimentos sobre o incêndio no circo e algumas fotos da tragédia em Niterói e matéria do JB de hoje, 17/12/2011, sobre o assunto.


Para quem quiser saber mais, o jornalista Mauro Ventura lançou recentemente o livro "O espetáculo mais triste da história", em que narra a tragédia do Gran Circus.


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domingo, dezembro 11, 2011

UMA NOTA DE ESCLARECIMENTO SOBRE O NATAL



As festas de fim-de-ano sempre foram muito comemoradas pela minha família. E família grande, diga-se de passagem: minha mãe tem doze irmãos, e o meu pai, nove. Era sempre assim: almoço do dia de Natal com minha família paterna e almoço de Ano Novo com minha família materna. E era sempre muito bom, divertido, alegre: eram dias em que a enorme família podia se encontrar, botar o papo em dia, rever pessoas que, por morarem longe, muitas vezes só encontrávamos nesse dia. 

E apesar da barulhenta reunião, uma característica sempre se mantinha nas duas festas: agradecer a Deus pelo nascimento de seu filho e pelo ano que se encerrava e pedir pelo que se iniciava. Não tinha como ser diferente, sendo membro de uma família com fortes tradições cristãs (a paterna, católica; a materna, protestante).

De um tempo pra cá, porém, vejo muitas famílias (não a minha!) se distanciarem da comemoração do Natal, alegando ser este uma festa pagã. Esse fato sempre me causou estranhamento e tristeza. Afinal, se faço a festa do meu aniversário em um dia em que alguém comemorar alguma festividade pagã eu estaria "paganizando" a minha comemoração?

Bem, a esse respeito, encontrei no site Prazer da Palavra, um texto simples e direto, que reproduzo aqui abaixo.

Ah... antes que eu me esqueça, tenham todos um Feliz Natal! Como disse o Carlinhos Veiga hoje cedo no Twitter, Natal é a anunciação cósmica do grande amor de Deus.


Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho


O Natal tem sido combatido por estranhos cristãos. Alegam que o Natal é a festa pagã do culto ao Sol. Conclusão precipitada. Tendo que escolher uma data, escolheu-se aquela porque se considera que Cristo é o sol da justiça (Malaquias 4.2). Combatem a árvore de natal, dizendo-a resquício do culto pagão às árvores. Esquecem que a Bíblia abre e fecha com a presença de uma árvore (Gênesis 3.9 e Apocalipse 22.14). Mas o estranho é guradarem festas judaicas, que se tornaram festas pagãs com o advento de Cristo, sendo coisas passadas à luz de Colossenses 2.16-17.

O cristianismo e a Bíblia expressam as verdades de Deus na cultura do povo, não em uma cultura angelical. Os quatro títulos duplos que aplicamos a Jesus, em Isaías 9.6 (“Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”) eram usados na sagração do novo Faraó, no Egito. O profeta os aplicou a Jesus. O domingo, dia do Senhor, era o dia do culto ao Sol, na mitologia de alguns povos europeus. Mas o dia em que Cristo ressuscitou. Não é preciso negar ou modificar tudo porque se descobriu um aspecto que não corresponde ao que pensávamos. Isto é insensatez: jogar tudo fora por causa de uma parte. Meio entendimento é pior que nenhum entendimento. Principalmente se produz estabanamento intelectual.

Natal não é festa pagã. Isso soa como falta de inteligência. É a comemoração do nascimento de Jesus. Se a data não foi 25 de dezembro, qual é o problema? A Páscoa, quando se comemora a morte de Cristo, cada ano cai num dia. Mas não invalida a morte vicária de Cristo.

O legalismo e a postura de alguns em reinventar e redescobrir o evangelho são atitudes negativas. Pergunte-se a um cristão sincero, não desses cheios de empáfia que descobriram que todo mundo fez tudo errado até hoje, o que ele comemora no dia 25 de dezembro. Ele dirá: “O nascimento de Jesus”. Na falta de data específica, ficou-se com esta. Qualquer outra suscitaria uma crítica de alguém. Que critiquem.

O erro não é comemorar o nascimento de Jesus. O erro é trocá-lo por Papai Noel, é olhar o aspecto apenas humano e sentimental da ocasião e esquecer o aspecto espiritual. Por isto, comemore o Natal. Com gratidão a Deus. Louve-o por seu Filho, Jesus Cristo, nosso Salvador.

Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho


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terça-feira, novembro 22, 2011

AMOR NÃO É DOCINHO, BEBÊ

As redes sociais nos permitem entrar em contato e "conhecer" pessoas que, de outra forma, talvez nunca conhecêssemos

O Tom Fernandes é uma dessas pessoas, followed no Twitter e amigo no Facebook. Hoje, no seu blog "pequenos dramas", li um de seus textos e resolvi publicá-lo aqui. 

Boa leitura! E visitem o Tom, ele é crítico, divertido e acho que vocês vão gostar.





Tom Fernandes


O amor está em maus lençóis. A paixão se encontra banalizada, numa rima pobre com liquidação. Saudade é coisa que passa com prozac e uma webcam qualquer. Se a felicidade já é quase um direito fundamental do ser humano, já já garantido por constituição, logo logo teremos umas nova leva de manifestantes se mobilizando em alguma occupymyheart da vida. E, o pior, uma safra de poetas adocicados e felizes-sem-fim se reproduz por osmose.

As crianças do meu tempo falávamos de ninjas e policiais e todos tinham na ponta da língua as técnicas para prender bandidos e invocar a poderosa Genki Dama. As crianças de hoje falam de amor com a mesma propriedade e profundidade. Ângelo Gaiarsa sofreria derrame pleural de ver tantos especialistas absolutos no mais obtuso e pantanoso campo da experiência humana.

O que mais me espanta nestes novos poetas da ágora virtual é a facilidade para falar de amor, alegria, gozo, prazer, satisfação. Não que não nos apaixonássemos no colégio e na faculdade, mas sabíamos a dor daquilo, sabendo-o efêmero e temerário. E atravessava-se todo o colegial com a mesma paixão a consumir tempo, sono e inúmeras resmas de papel, por fim destinadas ao lixo.
Hoje tenho visto gente dizendo “eu te amo mais que tudo” com lágrimas nos olhos para três ou mais em menos de um ano! E não que a pessoa seja falsa, leviana ou vulgar, ela apenas acha que toda sensação diferente de fome, sono e cansaço seja amar. E amar dessa maneira não encontra limites, nem fronteiras, virou até mote de empresa de celular (lógico que a rima não podia faltar).
E o amor passado? Não valeu, óbvio, porque a atual juventude amante aprendeu que o amor é uma sensação anfetaminizada e seus poetas estão sempre em busca da próxima dose, do próximo pico. Não cultivam mais carinho pela namoradinha do pré, não olham mais de rabo de olho ao passar pela rua da menina do vôlei. Hoje o amor vive-se em ondas, total wireless, sem cabo, conexão alguma (nem com a realidade).
Hoje não se respeita o vaticínio de Drummond sobre ser poeta e a difícil arte de escrever sobre o amor. Talvez venha daí essa profusão de duplas sertanejas universitárias e autores e perfis adocicados nas redes sociais. Desculpe-me, mas não suporto ler mais nada de Caio Fernando Abreu. O que ele escrevia sobre amor é uma afronta a Chico, Caetano, Vinícius e Tom. As canções da Paula Toller têm mais alma, experiência e peso que esse falecido (sim, Caio morreu há mais de cinco anos) ícone da poetosfera.

Antes que você me chame de ranzinza, mal amado ou frio (a quem quero enganar, você já está pensando tudo isso de mim) quero dizer umas últimas palavras. Você está apaixonado e quer viver este amor como se fosse o último? Vá lá, mergulhe e seja feliz durante o tempo em que conseguir prender a respiração. Mas não se esqueça de ser ridículo, de sofrer também da angústia de ter de voltar à tona e respirar. Como disse Cartola, o profeta do amor partido alto: Vai chorar, vai sofrer, isso acontece!

Termino deixando claro que amo os amantes, vibro e torço pelos amigos que amam. Mas amar não os torna poetas e especialistas no amor, assim como respirar não nos torna especialistas em pneumotórax e andar não nos dá gabarito pra prescrever como alcançar os altos cumes do Himalaia. Já disse Zeca Baleiro: As canções de amor se parecem porque não existe outro amor!


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sábado, novembro 19, 2011

PONDÉ, VINÍCIUS E SILASTIE

Quase 4 meses depois, eis-me aqui novamente! Não, eu não deixo de escrever aqui por falta de assuntos para serem compartilhados. É que mais uma vez, estou vivendo uma fase de guerra entre razão e emoção, mente, coração e mãos. E assim, numa luta entre o que penso, sinto e escrevo, entre o querer dizer e o preferir não falar, fico calada. 


Nunca me esqueci de uma conversa com um grande amigo que me disse, falando sobre Eclesiastes 3 (tempo para todas as coisas), que tanto o tempo de falar como o de calar são importantes e confundir os dois é um grande erro. Espero conseguir sempre distinguir entre cada um desses tempos... e me posicionar certo em cada um deles!


Bem, o que me trouxe aqui foi uma postagem muito interessante de uma amiga, a Simone, do blog Folha Tremulante, que eu já tinha lido há algum tempo, mas que sendo relida hoje, me falou mais alto. E falou mais alto porque tenho ouvido e lido o Luiz Felipe Pondé, que critica essa busca incessante pela felicidade, essa obrigação de ser feliz que a sociedade impõe e cobra de todos nós.


Eu concordo com os dois porque, embora seja muito bom estar feliz e ser feliz, será que a obrigação de estar cercado de felicidade por todos os lados, em todos os momentos, é saudável?  E essa busca frenética acaba nos cegando para momentos deliciosos, que simplesmente deixamos passar...


E mais: dá pra ser completamente feliz se olharmos, mesmo que de relance, para esse mundo que nos cerca?


Não, não estou condenado a felicidade. Não tenho vocação pra masoquista. Mas quero estar mais atenta para o que me faz feliz hoje do que para todos os outros motivos para não estar feliz.


Acho que no Samba da Benção, Vinícius foi perfeito: "É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe, é assim como a luz no coração; mas pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza; é preciso um bocado de tristeza, senão, não se faz um samba, não." 


Bem, deixo com vocês o texto da Simone. Boa leitura!




Simone Pinheiro


A sociedade moderna coloca um peso muito grande no “ser feliz”, “estar tudo bem”, ter, ganhar, comprar, comprar e comprar...

A mídia  mostra-nos incessantemente objetos que não precisamos, mas se não temos estamos fora do contexto.

Isso é muito cansativo... Outro dia ouvi uma reflexão muito interessante sobre o “tudo bem? “ aquela nossa expressão cultural de dizer oi sem muito compromisso. E no fim tudo, tudo mesmo... realmente é muita coisa pra estar bem.

O engraçado é que nunca havia parado pra pensar nisso, essa expressão traz um peso muito grande, uma cobrança subliminar, dando a impressão de que realmente é possível estar tudo bem, e se com a gente não está, temos um problema.

Não tive nenhum momento em minha vida onde estivesse tudo bem, não falo isso com melancolia, ou depressivamente. Simplesmente é assim,  uma área da sua vida está totalmente resolvida , uma outra começa despencar. 
Antes da mensagem do Claudio Manhães, eu sinceramente acreditava que só acontecia comigo e que pra todo o resto do universo realmente estava tudo certo... todo o resto do universo foi exagero, mas pelo menos meu vizinho, meu colega, meu primo, o ator da novela, o pop star, sei lá... pra alguém estava tudo certo.

Resolvi fazer um exercício, a começar pelos mais próximos pra entender se realmente fazia sentido o que ouvi na reflexão, e verdadeiramente eu não era a única a ter sempre algum probleminha a me incomodar. Olhar a minha volta, se você nunca fez isso eu o convido a fazer. Não  se trata de torcer pelo mal alheio, mas apenas constatar que a vida é complicada pra todo mundo, e aí eu vou generalizar, todo mundo mesmo. Uns mais outros menos, mas tudo mundo tem problemas.

A idéia aqui não é te deprimir, fique tranquilo, muito pelo contrário. A idéia é basicamente tirar o peso, a obrigação de ser feliz a todo custo. E substituir essa perspectiva por ser contente. Contentamento, independente daquele, ou daqueles probleminhas que insistem  em aparecer.
Vamos ignorar os problemas agora? Não... Essa não é a idéia, mas pense bem, tem alguma coisa na sua vida que vai bem, e você, eu, nós... estamos deixando de aproveitar porque ainda tem algo a ser resolvido em outra área, ai insistimos tanto em resolver , e vai que por azar conseguimos, mas aí deixamos de aproveitar o que estava bom, e gastamos tanta energia pra consertar isso que agora nem é tão legal assim mais. E surpresa, tem mais alguma coisa despencando na nossa vida. E assim segue o ciclo...

Precisamos parar de tentar estar bem em todas as áreas e realmente aproveitar o que no momento está bem. Estar bem a pesar do “e se...”
Isso facilita muito seguir em frente, viver cada momento, aproveitar cada fase. Mas e o resto? Bem o resto, vez ou outra irá se resolver, e se isso não acontecer você não aplicou todas as energias em deixar tudo perfeito mas sim, aproveitou os bons momentos que eram possíveis de serem desfrutados. Isso deixa-nos mais leves, sem aquela pressão social de ser feliz a qualquer custo, simplesmente aproveite o que tem nas mãos.
Seja livre pra viver intensamente o presente, com contentamento, sem tantos lamentos, aproveitando cada momento. Tenha uma vida mais leve, sem tantas cobranças, resumindo Carpe Diem!


"...Porque a vida não é certa... Nada aqui é certo. O que é
certo mesmo é que temos que viver cada momento, cada segundo, amando,
sorrindo, chorando, emocionando, pensando, agindo, querendo,
conseguindo...Quando a gente acha que encontrou todas as respostas, vem a
vida e muda todas as perguntas." Veríssimo

quarta-feira, julho 27, 2011

O SORRISO DE ANA LUIZA


Domingo passado, dia 24 de julho, visitei alguns lugares que foram cenário da tragédia de Teresópolis em janeiro. Passados seis meses, pouca coisa mudou. E cenário é a melhor palavra a ser utilizada, pois a impressão que tive é a que estava visitando um lugar usado por alguma produção de filme de guerra, depois de um pesado bombardeio.

Eu vi e fotografei muitas coisas. Mas duas imagens me marcaram profundamente. A primeira foto foi feita praticamente no local onde começou o enorme deslizamento de pedras no bairro de Campo Grande. Quando cheguei aqui, parecia que estava vendo o inferno na minha frente. Nem todo inferno é feito de fogo e enxofre: esse foi feito de pedras e lama... Pela foto não dá pra se ter a dimensão exata das coisas. Essas pedras não estavam aí: rolaram do alto da montanha e muitas continuaram descendo, arrasando tudo o que estava pelo caminho. O rapaz da foto tem 1,86m; parece minúsculo ao lado das pedras...



A outra imagem, foi o sorriso de uma menina, Ana Luiza, que deve ter no máximo uns 4 anos. Desde janeiro, ela mora em uma barraca, em um dos abrigos. 


No início de ano eu trabalhei todos os fins de semana como voluntária, em várias frentes, e ver que depois de tanto tempo as coisas ainda estão assim, é muito, muito ruim. O que eu posso dizer é que domingo foi um dia de choro. E de um imenso sentimento de impotência. E de um desânimo enorme. Um grande soco no estômago. Estou atordoada até agora. 


Mas hoje eu me deparei com um texto que trata de esperança. Lê-lo foi como tomar um banho de chuva, daqueles que lavam a alma. Ainda estou triste, porque não dá para fingir que tudo o que vi era só um cenário... mas a esperança existe... e mora nos olhos de Ana Luiza. 


Que Deus me use e me ajude a fazer essa esperança brotar.


Posto agora o texto a que me referi. Boa leitura!


TEIMOSIA E ESPERANÇA
Ricardo Gondim


A humanidade é constante vai-e-vem. Avanços e retrocessos fazem a história alternar entre tragédia e farsa. Enquanto erradicamos a poliomielite, cometemos atrocidades. Revolucionamos as comunicações, mas permanecemos culpados dos mais horrorosos crimes.

No século XX, duas guerras mundiais se somaram a genocídios e extermínios étnicos para alterar, definitivamente, filosofia e teologia. Positivismo virou ingenuidade - quem ainda acredita no mito do progresso?

Em algum lugar, no Pentágono, numa cova rasa do Camboja, num escombro de Ruanda, jazem os ossos do “bom selvagem” de Jean-Jacques Rousseau. De Camus a Martin Luther King se discorreu sobre o “mal profundo” que aleija a humanidade.  Ele existe. Entre luzes e sombras, a história se alonga, malévola, com miséria, aniquilamento de culturas, e muita, muita, dor.

Antigas formulações sobre Deus, desapareceram. Hemingway colocou na boca de Robert Jordan, personagem de “Por quem os sinos dobram”, o porquê de seu ateísmo. Para o autor, que testemunhara os horrores da Guerra Civil da Espanha, Deus não existe: “se existisse, Ele não teria permitido que eu visse o que vi com estes meus olhos”.

Por outro lado, escancarados os campos de concentração nazista, ficou claro que monstros existem. E como se multiplicam! Elie Wiesel narrou o dia em que assistiu ao enforcamento de um menino no pátio do campo onde estava preso. Perfilado, viu a criança agonizar, pendurada por minutos que pareciam uma eternidade. Ele lembra que o menino tinha "os olhos de um anjo feliz". Na fila, Wiesel ouviu alguém perguntar: “Onde está Deus? Onde ele estáOnde está Deus, então?”. Uma voz respondeu em seu próprio coração: “Onde ele está? Ei-lo – está aqui, pendurado nesta forca”. Deus estava morto e o facínora, vivo.

Nunca testemunhei tantos horrores. Mas o pouco que vi bastou para eu refazer conceitos. Revisei o que entendia por Deus. Remexi na compreensão da vida. Distingui esperança de ilusão, ideal de compromisso, ingenuidade de realismo e comecei o árduo processo de reconstruir-me sem o imobilismo do pessimismo e sem a superficialidade do otimismo.

Depois de várias reformas, continuo a acreditar na possibilidade da vida, no potencial humano e no aparecimento de artesãos da história. Mesmo quando o encarceramento da bondade parece inexorável, vejo a bondade humana como a erva que rompe o cimento. Sob camadas de iniquidade, a virtude consegue vingar. Vinho bom pode vir do lagar onde se esmagam as uvas da ira. Creio no bem que ressurge, teimoso, como força existencial. Vivo com a esperança, sei que ventos imprevisíveis reacendem o pavio que fumega.

Vinicius de Moraes, logo após a II Guerra Mundial, em 1946, disse que “o pranto que choramos juntos há de ser água para lavar dos corações o ódio e das inteligências o mal entendido”. Sim, a humanidade é viável - caso contrário já estaria sepultada com os dinossauros - mesmo em meio a tanta ferocidade.

A maldade, mesmo universal, mesmo arraigada, não conseguiu asfixiar o bem. Os patifes têm maior visibilidade, os canalhas amedrontam, sórdidos intimidam, contudo, "onde abundou o pecado, superabundou a graça”. Por mais que o ímpio resfolegue ódio e o tirano oprima, a morte os alcançará. Eles passarão e o lento fluir da história continuará. Basta um fiapo de luz para que se desperte fome e sede de justiça em alguém. De onde menos se espera nascerão vigorosos esforços de paz.

Os Judas, os Brutus, os Pinochets, os Husseins, os Bushes, sumirão pelo esgoto da irrelevância. No fim, quando o Diretor da peça entrar no palco e avisar que o espetáculo acabou, o malvado será apenas uma nódoa. Ele próprio se condenará como personagem da Divina Comédia. E deixará, como único legado, a possibilidade de gerar indignação nos que acreditam em outro mundo possível.

Mesmo na sordidez contemporânea, o justo acena com a aurora de uma Nova Cidade; aguarda, como sentinela, a luz da aurora virar dia perfeito. O profeta do desespero tenta, mas homens e mulheres de bem resistem. É necessário que lampejos de esperança brotem nos atos simples de bordadeiras, poetisas, teólogas, operários, jornalistas, lavradores.

O milênio começou com poucas opções. Carpideiras choram no velório dos ideais - foram contratadas para despistar a festa do Grande Capital. Na ressaca do baile progressista, alguns não acreditam que sobará ânimo para o enfrentamento do desastre sócio-ambiental.  Entretanto, a Imago Dei – imagem de Deus – nos olhos das crianças convida a humanidade a não entregar os pontos.

A doença que nos aflige não é para a morte. Ainda dá para virar o jogo. Enquanto pequeninos mantiverem louvor à vida e homens e mulheres não se ajoelharem no altar do cinismo, a promessa continua de pé: “Os mansos herdarão a terra”.

Soli Deo Gloria
27-07-11



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quinta-feira, junho 30, 2011

NÃO AGUENTO


De vez em quando eu publico aqui no blog textos que li e gostei em outros sites e blogs. O que vem a seguir é um desses. Boa leitura!


NÃO AGUENTO
Artur Xexéo - Revista O Globo, 19/06/2011

Eu não aguento mais pessoas que começam qualquer frase com a expressão “Na verdade...” Nem aquelas que respondem qualquer pergunta dizendo “Com certeza!”. Nem mesmo as que, antes de terminar um pensamento, acrescentam um “enfim” ao discurso. 

Não aguento aqueles que, diante do caos em qualquer aeroporto, comentam “Imagina como vai ser em 2014”. Ou gente que, em qualquer engarrafamento de trânsito, suspira: “Imagina como vai ser em 2014.” Ou os moradores do Rio que, diante de um bueiro entupido, preveem: “Imagina como vai ser em 2014”. 

Eu não aguento mais atrizes de novela que analisam seus personagens dizendo “Foi um presente do Gilberto” (ou do Maneco, ou do Aguinaldo, ou da Maria Adelaide). Ou aquelas que, tentando definir o parceiro ideal, afirmam que “humor é fundamental”. Não aguento as que nunca protagonizam a novela das oito, mas fingem que não se importam porque “é muito melhor fazer a vilã”. Ou ainda as que celebram a profissão de atriz porque, assim, podem “viver muitas vidas”. 

Não aguento participantes da “Dança dos famosos” que dizem que a disputa provou sua “capacidade de superação”. Nem jogadores de futebol que, após a vitória de seu time, valorizam sua “capacidade de superação”. Muito menos modelos que após uma ida e volta na passarela do Fashion Rio sentem-se aliviadas por sua “capacidade de superação”. 

Eu não aguento mais comentaristas de moda na televisão analisando o “look” dos desfiles. Nem a supervalorização dos seriados da TV americana. E atores do palco agradecendo “aos deuses do teatro”. 

Eu não aguento mais prefeitos e governadores justificando atrasos nas obras porque  “o edital está em fase de finalização”. Eu não aguento políticos do PT pedindo que a oposição “não politize” o escândalo mais recente do partido. Nem os ministros do Governo chamando a presidente Dilma de “presidenta”. 

Eu não aguento mais ninguém dizendo que as redes sociais são “uma poderosa ferramenta de comunicação”. Não aguento filmes em 3D. Nem gente que se acha na obrigação de comprar o iPhone 6, quando lê o anúncio do lançamento para breve do iPhone 5. 

Não aguento mais médicos diagnosticando como “virose” tudo que eles não sabem bem o que é. Nem pesquisas científicas amaldiçoando o ovo e seus efeitos no colesterol, anos depois de o ovo ter sido abençoado por pesquisas científicas porque, afinal, o ovo tem bom colesterol, apesar de, anos antes, outras pesquisas já terem amaldiçoado o ovo etc etc etc. 

Eu não aguento mais a Regina Casé bancando a simpática. Nem a comoção nacional em torno do fim do Exalta Samba. Muito menos algum artista jovem que recebe prêmio, gritando na boca de cena “Valeu, galera!”. Eu não aguento mais o Luan Santana.






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quarta-feira, maio 25, 2011

O CARRO DO MEU VIZINHO



Moro num prédio antigo, construído no início dos anos 70. É feio por fora, mas os apartamentos têm cômodos espaçosos. Acho que na época não existia uma legislação que determinasse como a garagem deveria ser. Resultado: são 64 apartamentos e só 30 vagas espremidas na garagem.


Nela, tem carros pra todos os gostos: novos, velhos, pequenos, grandes. Mas tem um carro que se destaca: um carro preto, que embora não seja novíssimo, é o que mais tem cara de novo. Preto, brilhante, sem uma poeirinha... Todos os sábados, o dono passa o dia todo cuidando dele: lava, seca, aspira, abre o capô, liga o carro e fica atento a cada barulho que o motor faz... até os pneus recebem uma demão de "pretinho" e ficam lá, limpinhos, limpinhos!


O único problema é que o carro nunca sai da garagem. 


E até ganhou semana passada uma cerquinha de correntes, para que ninguém se aproxime e encoste nele.


Quando eu era pequena, eu imaginava a vida meio como o filme Toy Story: se não tiver nenhum humano por perto, as coisas "vivem", tem sentimentos e conversam entre si... Se isso fosse verdade, imagino a tristeza do carro do vizinho: sempre lindo e bem cuidado, mas trancafiado numa garagem no subsolo de um prédio, onde não bate sol, vento, chuva, nada. E fico pensando no que leva o meu vizinho a ter um carro só por ter e não para aproveitar o que ele poderia proporcionar, como um passeio na orla numa noite de lua cheia, por exemplo.


Às vezes penso que eu ajo como o vizinho: pego os meus melhores sentimentos, habilidades e talentos e deixo trancafiados em algum lugar escuro dentro de mim. Eu sei que eles estão lá, prontinhos para serem usados e esperando por isso, mas por alguns motivos, conscientes ou não, eu não aproveito o que tenho de melhor.


Sinto que está na hora de mudar isso. E me cobro esta mudança. Preciso abrir a minha garagem e levar a minha alma para sentir o vento que vem do mar e a chuva fresca da floresta... Mas onde deixei a chave?






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quinta-feira, março 31, 2011

BLOG NOVO NO AR!



Há algum tempo eu tenho pensado em criar um blog onde eu possa mostrar o meu lado profissional como Designer de Interiores e os projetos que desenvolvi, comentar sobre o que anda acontecendo no mundo do Design de Interiores e da Decoração, compartilhar ideias e sugestões sobre como conseguir um visual bem legal, mas que caiba no bolso. 

Ontem consegui colocar essa ideia em prática e nasceu o MarCa Interiores.

Sejam todos bem vindos a esse meu novo espaço!
Fiquem à vontade e sintam-se em casa!



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sexta-feira, março 25, 2011

BALAIO MUSICAL (8)

Hoje acordei meio nostálgica e lembrei de uma música que fez sucesso há uns 20 anos, mais ou menos: Porto Solidão, do Jessé. Fui pro Youtube procurar algum vídeo dele e achei vários, cada um mais tosco que o outro. Mesmo assim, separei quatro para colocar aqui, porque as letras são boas. 

Para quem não sabe, Jessé morreu em um acidente de carro em 1993, com 41 anos (é a idade que tenho hoje; é estranho saber que alguém morreu exatamente com a mesma idade que a gente tem). Antes de morrer ele lançou  15 discos, e entre eles, alguns com músicas evangélicas.

Hoje, no meu balaio, Jessé e as músicas Porto Solidão, Voa Liberdade, Solidão de Amigos e Rude Cruz.













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quarta-feira, fevereiro 23, 2011

A MOÇA DO METRÔ


Eu sou muito observadora. Presto atenção a um monte de detalhes que a maioria das pessoas não percebe. Leio nas entrelinhas. Quase sempre, percebo coisas que as pessoas tentam esconder.

Ontem no metrô, uma moça me chamou a atenção. Nem sei se ela me viu... Ela estava usando um vestido azul escuro estampado, bem discreto. Os óculos de armação escura contrastavam com a pele clara. A boca, sem batom, era pequena e rosada. Os cabelos pretos, lisos, estavam preso num coque folgado.

Tudo nela mostrava uma moça recatada e discreta.
Tudo, menos o olhar. Havia fogo dentro daqueles olhos.


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terça-feira, fevereiro 08, 2011

DEUS NOS LIVRE DE UM BRASIL EVANGÉLICO

Hoje de manhã, enquanto passeava pela internet, me deparei com um texto que conseguiu expressar muito do que eu penso. O autor, Ricardo Gondim, tem um jeito especial de ver a vida e o cristianismo, com amor e simplicidade, descobrindo e mostrando a Graça permeando o nosso dia-a-dia.



DEUS NOS LIVRE DE UM BRASIL EVANGÉLICO 
Ricardo Gondim

Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para espalhar vários deles, em avenidas, com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso”. 

Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação, mas hoje, por algum motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A mensagem subliminar da grande placa, para quem conhece a cultura do movimento, era de que os evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o estado, o país se converterem em massa e a terra dos tupiniquins virar num país legitimamente evangélico. 

Quando afirmo que o sonho é que impere o movimento evangélico, não me refiro ao cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e do protestantismo conhecido como Movimento Evangélico. E a esse movimento não interessa que haja um veloz crescimento entre católicos ou que ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar "crente", com a cara dos evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira). 

Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil.

Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um puritanismo moreno. Mas, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadu? Não gosto de pensar no destino de poesias sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”? 

Uma história minimamente parecida com a dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?

Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se desqualificasse o alucinado Charles Darwin. Facilmente se restabeleceria o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina, biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma tradução para o português. 

Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados como desajustados para ganharem o rótulo de loucos, pederastas, hereges. 

Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea aconteceria quando? 

Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu; basta uma espiada no histórico de Suas Excelências nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber que isso aconteceria. 

Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de cópia malfeita da cultura do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a dos aiatolás iranianos. 

Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como seria uma emissora liderada por eles? Adianto a resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante. 

Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado a qualquer livro da série “Deixados para Trás” ou do Max Lucado. 

Toda a teocracia se tornará totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar os costumes, moralista. 

O projeto cristão visa preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a fé de um centurião adorador de ídolos era singular; e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma espiritualidade digna de elogio como aquele soldado que cuidou do escravo. 

Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade; Deus não é rival da liberdade humana, mas seu maior incentivador. 

Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.

Soli Deo Gloria
7-02-11
 

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segunda-feira, janeiro 17, 2011

FIM DE SEMANA NA SERRA


Na quarta-feira passada, dia 12, minha mãe me ligou logo cedo de Teresópolis e disse que uma enchente, com lama e pedras tinha acontecido na Posse – um bairro da cidade – e tinha afetado severamente a casa de minha tia, e que a chuva tinha provocado um deslizamento na Barra do Imbuí e soterrado uma casa, causando a morte da sogra de uns amigos dela. Até então, parecia ser apenas mais uma enchente, grande, mas só mais uma enchente.

Durante o dia, fui percebendo que tinha sido mais grave do que parecia a princípio. Com os telefones (tanto fixos como celulares) de lá ruins, e sem acesso direto à internet durante o dia, só consegui obter pedaços de informações. Na hora do almoço, fui num restaurante que tinha uma TV ligada e então comecei a entender a dimensão da tragédia.

Estando no Rio, longe da minha cidade, da minha família e dos meus amigos que moram lá, e sem poder acompanhar as notícias, a angústia foi crescente. A vontade de estar lá, ver de perto família e amigos, ver ao vivo o que a TV mostrava, era enorme. Mesmo sem saber o que fazer, eu queria estar lá. Na sexta-feira, durante a tarde, resolvi que no dia seguinte subiria a serra.

Sábado de manhã, decidi que iria faltar ao oftalmologista para chegar mais cedo em Teresópolis. Arrumei algumas roupas para levar para serem doadas, procurei um tênis que agüentasse a lama, alimentei os bichos (Geléia, um hamster; e Dekafeinè, uma ratinha) e fui embora.

Sozinha no Baby (meu Ford Ka, velho companheiro de aventuras), eu imaginava o que iria encontrar, relembrando as imagens da TV. Na subida da Serra, caminho que já fiz inúmeras vezes, meu coração foi tomado por uma emoção diferente, uma excitação meio assustada. Uma chuva fina começou a cair e os topos das montanhas estavam cobertos por nuvens. Uma neblina leve começou a baixar. Às vezes, tenho a impressão de que a serra de Teresópolis é o único local do mundo onde chuva e neblina acontecem ao mesmo tempo. Na minha frente, uma pick-up estava abarrotada de garrafas de água mineral; achei que seria mais uma doação. Todo esse cenário me fez sentir como um daqueles caçadores de tempestades americanos que de vez em quando vemos no Discovery Channel: o clima chuvoso, a expectativa do cenário de destruição em partes da cidade. 

Assim que cheguei, fui direto para casa da minha mãe. Lá encontrei uma das minhas tias. Ela mora (morava?) no bairro da Posse, numa casa que foi atingida pela enxurrada de lama e pedras; a piscina e a churrasqueira ficaram sob a lama; no primeiro andar da casa, a lama atingiu mais de um metro de altura. Ela ainda teve tempo de socorrer três famílias vizinhas e abrigar todo mundo no segundo andar da casa. Como a luz acabou, só conseguiam ver alguma coisa quando um relâmpago cortava o céu, e o que viam eram assustador: uma correnteza de lama e pedras enormes vindo em direção à casa, que resistiu. Quando o dia amanheceu, três corpos foram achados no quintal. Ela acha que outros podem estar encobertos pela lama.

Depois de ouvir isso, saí para encontrar Junior, Victor e Renato, os amigos com quem iria distribuir os donativos. Enquanto passávamos por uma casa onde amigos perderam um familiar, vimos uma cena emocionante:  enquanto algumas pessoas estavam aumentando o preço do galão de água, uma senhora, que possui um poço artesiano em casa, colocou uma placa onde estava escrito “água limpa” e distribuía água gratuitamente para quem quisesse. Chorei.

Éramos quatro pessoas espremidas dentro um carro minúsculo, entulhado de coisas: garrafas de água, toalhas de banho, roupas, sabonetes, creme dental. No caminho, uma amiga do Victor apareceu com várias sacolas de compras e pediu que levássemos para ela. E lá fomos nós, rumo a Bonsucesso, no 3º distrito da cidade, uma das regiões muito afetadas e com um dos maiores números de mortos até então. 

A chegada lá até que foi tranqüila, apesar de alguns pontos com quedas de barreiras na estrada. Os donativos estavam sendo entregues na Igreja Católica da região e estavam sendo muito bem organizados. Voluntários montavam kits que eram entregues aos desabrigados. Uma Kombi de uma igreja Assembléia de Deus saiu abarrotada de donativos. Quando estávamos saindo, dois caminhões do exército estavam chegando com mais doações. 

Resolvemos continuar pela estrada, até chegar a Vieira, outro bairro muito afetado. No caminho, íamos vendo o rastro da destruição causada pelas chuvas: muito entulho nas margens dos rios, muitos carros retorcidos, casas desmoronadas, várias quedas de barreiras. A chuva começou a ficar mais forte e resolvemos voltar para a cidade.

Passamos na Primeira Igreja Batista, onde a Força Nacional está alojada. Foi uma visão meio surreal: um monte de soldados, com roupas camufladas e armados, perfilados e recebendo ordens dentro da igreja, que está em construção. Ali também estavam sendo recolhidos donativos e feita a montagem de cestas básicas. 

Quando cheguei em casa, encontrei o meu irmão mais novo, que está trabalhando na identificação dos corpos que são resgatados. Ouvi histórias muito, muito tristes, como a do pai que estava indo lá levar a própria filha, que ele mesmo retirou dos escombros. O meu outro irmão trabalha fora de Teresópolis, em Minas, e não pode voltar para casa por causa das estradas fechadas.

Interessante notar que mesmo tendo andado o dia todo, carregando donativos, visitando lugares, as sensações de inutilidade e impotência eram enormes. Fui dormir exausta, mas não consegui um sono tranqüilo e pouco depois das cinco da manhã de domingo já estava acordada. 

No domingo, duas amigas de Niterói chegaram com uma Doblô carregada de donativos. Deixamos tudo na Igreja Batista em Barra do Imbuí (que está fazendo um trabalho excelente de coleta e distribuição) e partimos em direção ao Caleme, um dos bairros mais afetados da zona urbana de Teresópolis. 

A chegada até lá só é possível porque um dos condomínios de luxo da região abriu suas ruas internas, pois a ponte que dá acesso ao Caleme teve sua estrutura abalada. Andamos a pé no meio do que restou de casas e carros. Parecia cenário de filme de guerra. Muito mais impressionante do que eu poderia imaginar pelo que vi na TV. 

A Igreja Batista do Caleme está sendo o ponto de apoio da região: recebe e distribui donativos e também fornece alimentação para os voluntários, mesmo estando sem luz desde o dia da tragédia. 

No Caleme encontramos um grupo de Trilheiros, os motoqueiros que estão sendo responsáveis pelo resgate de pessoas e também pelo transporte de alimentos e medicamentos em áreas onde as outras equipes não tem acesso. Um primo muito querido está trabalhando entre eles. Os Jipeiros de várias regiões do estado do Rio também estão fazendo trabalho semelhante.

Já na hora de voltar para o Rio, parei perto do IML. Na verdade, o IML de Teresópolis é muito pequeno e foi  montada uma estrutura de emergência usando uma loja vazia em frente ao prédio oficial. Uma loja de madeiras que fica ao lado doou material para que fossem feitas as mesas onde os técnicos de necropsia trabalham. O dono dessa loja é um amigo que não vejo há muito tempo. Como não há condições para armazenar os corpos até que seja feita a identificação, vários contêineres frigoríficos estão sendo usados para este fim. São pelo menos cinco, estacionados em frente ao IML. Quando cheguei lá, uma moça estava fazendo o reconhecimento do pai. A cena era de uma tristeza sem tamanho e, sem dúvida, vai ficar gravada na minha memória.

Estava chovendo – como esteve durante todo o fim de semana – e voltei para o carro. Não tenho como descrever o que estava sentindo. O cenário de guerra causa tristeza e espanto. Mas ver a união de tanta gente para tentar ajudar traz um pouco de esperança.

Eu sei que em muito pouco tempo esta tragédia vai ser esquecida, assim como são tantas outras. Para quem está de fora, é fácil esquecer. Mas quem sobreviveu a essa situação vai continuar precisando de apoio para reconstruir a vida. Como isso vai ser feito eu não sei. Mas sei que não consigo fingir que isso não tem nada a ver comigo.




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