terça-feira, setembro 09, 2008

QUANDO DEUS APARECE

Sempre achei que Deus aparece muitas vezes pra nós de uma forma tão simples que algumas pessoas não conseguem identificá-lo.

Estou muito longe de ser uma panteísta, mas acho que Deus se manifesta nas pequenas coisas que nos cercam.


Quando li esse texto hoje, vi que concordo com muito do que a Martha escreveu.
E o achei de uma simplicidade tão grande que resolvi colocá-lo aqui.




QUANDO DEUS APARECE



Tenho amigas de fé. Muitas. Uma delas, que é como uma irmã, me escreveu um e-mail poético, dia desses. Ela comentava, em detalhes, sobre o recital a que ela assistiu do pianista Nelson Freire, recentemente. Tomada pela comoção durante o espetáculo, ela finalizou o email assim: “Nessas horas Deus aparece.”


Fiquei com essa frase retumbando na minha cabeça. De fato, Deus não está em promoção, se exibindo por aí. Ele escolhe, dentro do mais rigoroso critério, os momentos de aparecer pra gente. Não sendo visível aos olhos, ele dá preferência à sensibilidade como via de acesso a nós. Eu não sou uma católica praticante e ritualística – não vou à missa. Mas valorizo essas aparições como se fosse a chegada de uma visita ilustre, que me dá sossego à alma.


Quando Deus aparece pra você?


Pra mim, ele aparece sempre através da música, e nem precisa ser um Nelson Freire. Pode ser uma música popular, pode ser algo que toque no rádio, mas que me chega no momento exato em que preciso estar reconciliada comigo mesma. De forma inesperada, a música me transcende.


Deus me aparece nos livros, em parágrafos em que não acredito que possam ter sido escritos por um ser mundano: foram escritos por um ser mais que humano.


Deus me aparece – muito! – quando estou em frente ao mar. Tivemos um papo longo, cerca de um mês atrás, quando havia somente as ondas entre mim e ele. A gente se entende em meio ao azul, que seria a cor de Deus, se ele tivesse uma.


Deus me aparece – e não considere isso uma heresia – na hora do sexo, desde que feito com quem se ama. É completamente diferente do sexo casual, do sexo como válvula de escape. Diferente, preste atenção. Não quero dizer que qualquer sexo não seja bom.


Neste exato instante em que escrevo, estou escutando “My Sweet Lord” cantada não pelo George Harrison (que Deus o tenha), mas por Billy Preston (que Deus o tenha, também) e posso assegurar: a letra é um animado bate-papo com Ele, ritmado pelo rock’n’roll. Aleluia.


Deus aparece quando choro. Quando a fragilidade é tanta que parece que não vou conseguir me reerguer. Quando uma amiga liga de um país distante e demonstra estar mais perto do que o vizinho do andar de cima. Deus aparece no sorriso do meu sobrinho e no abraço espontâneo das minhas filhas. E nas preocupações da minha mãe, que mãe é sempre um atestado da presença desse cara.


E quando eu o chamo de cara e ele não se aborrece, aí tenho certeza de que ele está mesmo comigo.



Martha Medeiros

Revista O Globo, 24/agosto/2008


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