sábado, janeiro 24, 2009

UMA HORA TÃO TRISTE




Uma hora tão triste

Ricardo Gondim

O Getsemani foi a tua hora mais triste. Suaste sangue em teu exílio no fundo do outeiro. Foste traído. Estavas só, rodeado de amigos sonolentos.

Também vivo o meu exílio. A minha hora mais triste se arrasta faz anos. O dia mau chegou não sei quando, e se alonga perigosamente. Tenho medo. Não, não temo transpirar sangue, a ferocidade do sofrimento me amansou. Já me acostumei. Receio perder o rubor, embaçar os olhos e amargar a boca.

Minha dor lateja, queima, lacina. Enfraquece e rouba a iniciativa. Sem fôlego, converso sem graça. Para distrair, ando em círculo, deito na rede, abro a geladeira, corro os olhos no livro. Depois de cinco páginas, dou-me conta, enquanto lia pensava no vazio. Saio e dirijo, mas não lembro por onde passei. Deito e os pensamentos se desorganizam. A memória vira vulcão. Projetos mal acabados, decepções amorosas, espetadas de ex amigos, delírios religiosos, tudo explode e não concilio o sono.

Tento polir o passado com a ponta dos dedos, cerzir os erros, imaginar os outros caminhos que nunca escolhi. Tudo vão. Corro léguas para criar espaço entre coração e mente. Tudo vão. Ajoelhado, grito o Lamá Sabactani. Tudo vão. Recuo para não blasfemar. Tudo vão. Espero misericórdia. Tudo vão. Mudo o nome para Sísifo. Tudo vão.

A dor sepulta minha pouca leveza, sufoca minha rara espontaneidade, solapa o meu frágil entusiasmo. Não vejo benefício, funcionalidade ou propósito em gemer. Não fui punido, não pago por maldades de vidas passadas, não sou alvo da ira divina. Cumpri os mandamentos, chorei todos os pecados, lamentei as inadequações, penitenciei as omissões. Não é possível que ainda precise padecer tanto.

A dor não aceita explicações. Ela se assenhorou de mim. Agora ordena que a respeite como dona da minha sorte. Mesmo sem querer, aprendi a obedecê-la. Reconheço que nunca hei de derrotar a dor; por enquanto, só quero aprender a conviver com ela.

Soli Deo Gloria.

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