quarta-feira, novembro 26, 2008

CARTA AO AMIGO QUE SE SUICIDOU

Eu tive um amigo que se suicidou. (Verbo estranho esse: se ninguém pode suicidar outra pessoa, porque a obrigatoriedade do pronome reflexivo "se"?) Bem, quando o Ronaldo se foi, alguns questionamentos me invadiram. A gente já não se via há algum tempo, mas será que alguma coisa que eu fiz ou deixei de fazer poderia ter influenciado essa decisão maldita?

Por algum tempo, meu coração ficou atormentado com essas dúvidas; depois, como quase tudo na vida, elas também foram se
tornando em névoa, se dissipando, e acabaram por não mais incomodar. Até que eu li esse texto do Ricardo Gondim, que reproduzo lá embaixo.

A primeira pessoa em quem pensei quando vi o título foi o Ronaldo, não tinha como ser diferente. Lembrei dos seus grandes olhos azuis, do sorriso tão lindo, das nossas brincadeiras de adolescência, dos planos que ele tinha para o futuro... Bem, o futuro pra ele não chegou, mas ainda posso guardar na lembrança o rosto sempre sorridente do menino que morava do outro lado da rua e que deixava poesias em papeizinhos dobrados presos nas grades do meu portão...

Depois, pensei nos amigos com quem convivo atualmente. Lembrei dos mais próximos, dos nem tão próximos... daqueles que vejo praticamente todo dia, dos que eu vejo menos do que gostaria...

Pensei nas vezes em que pude dividir sorrisos, mas também nas em que dividimos lágrimas.

Pensei nas vezes em que fui ajudada, em que pude ajudar, em que precisei de ajuda e tive, em que precisei de ajuda e não tive.

Pensei nas vezes em que o afeto me foi dado e nas vezes em que chorei sozinha...

Pensei mais um monte de coisas... depois de tanto pensar, mais uma vez cheguei ao óbvio: amigos são a família que a gente escolhe; são pessoas maravilhosas, mas que como todos nós, tem seus defeitos; que muitas vezes podem nos ferir, assim como nós também fazemos...

Mas, acima de tudo,
amigos são um presente muito, mas muito precioso mesmo que Deus nos dá.

E eu agradeço a Deus por cada um dos meus amigos!
E peço a ele que me ajude a cuidar bem dessas pessoas com que me presenteou: cada uma com seu jeito, seu cheiro, seu gosto, suas certezas, suas dúvidas, seus acertos, seus erros... mas todas peças importantes nesse mosaico louco que é a nossa vida!



Carta ao amigo que se suicidou.
Ricardo Gondim

Quisera dar-te, amigo, todas as coragens que me tornaram ousado quando conquistei a mulher amada. Dar-te-ia também os medos que frearam a ensandecida ladeira da minha irresponsabilidade juvenil. Cortaria um pedaço do coração para transplantar para teu peito a felicidade do primeiro beijo que desvirginou os meus lábios. Eu também te convidaria para pedalar ao meu lado até a mangueira grande e discreta, onde, solitário, confidenciei em solilóquios intermináveis, alguns sonhos impossíveis.

Quisera dar-te, amigo, todos os questionamentos e descobertas que já fiz sobre o mistério de Deus. Eu te convidaria a assistir ao meu primeiro rasgo de conversão. E como, hesitante, desejei a verdade, a mesma verdade que insiste em distanciar-se de mim sempre que imagino tê-la em meus braços. Eu te faria parceiro da minha Primeira Comunhão católica em Londrina; chamaria para presenciar a noite da Profissão de Fé presbiteriana; convidaria para o culto de oração onde recebi o Batismo no Espírito Santo pentecostal; conversaria, inclusive, sobre a minha recente abertura para a espiritualidade existencial. Eu quisera ensinar-te que a jornada em direção ao Divino não é sempre ascendente, mas repleta de altos e baixos. Repartiria assim meus entusiasmos e tristezas para trançarmos nossa amizade como uma corda de muitos fios.

Quisera dar-te, amigo, os instantes magros em que não contabilizei fracassos, só encarei o dever de perseverar. As esperanças idealizadas não pareciam quixotismo. Os projetos faraônicos se mostravam perfeitamente alcançáveis. Tapei enormes buracos com minha ingênua boa vontade; relevei decepções, convencido que não passavam de mal-entendidos. Presentear-te com desapontamentos seria meu jeito de pedir: não desista. Não vire o tablado do jogo. A vida é assim; os homens não são sempre confiáveis, Deus sim.

Quisera dar-te, amigo, meu ouvido discreto, meu olhar atento, meu abraço silencioso. Sinto o ímpeto de colocar-me na trajetória da bala, na frente do trem, no olho do furacão, no meio do terremoto. Para poupar-te, estaria disposto a ser antídoto, escudo, parapeito, bóia, escada, pára-quedas. Faria qualquer coisa: massagem cardíaca, respiração boca a boca, transfusão de sangue. Podias fazer de mim psicanalista, confessor, saco de pancada. Não te condenaria. Não te cobraria. Não te rejeitaria, contanto que disseses que não jogaria a toalha.

Amigo, saber que segastes a vida por conta própria foi o golpe mais duro que já levei. E eu, que não te conhecia tão bem, acordei desolado neste mundo árido. Carregarei a sensação de que poderia ter sido o amigo mais achegado que um irmão. Não fui. E todos perdemos. Mas ao contrário de ti, não vou desistir, sei que ainda posso ser amigo de outro.

(Faz pouco tempo; ainda dói)

Soli Deo Gloria




segunda-feira, novembro 03, 2008

CONSELHOS PARA A VIDA

Texto de Ricardo Gondim


Viver não é para amadores. Cuidado, não se perca! Portanto, muito siso.

Cuidado com as palavras. Não fale sem pensar; não dispare conceitos sem considerar quem lhe ouvirá. Não prometa milagre sem levar em conta a mãe que, naquele exato momento, troca as fraldas do filho tetraplégico. Não se gabe de ter acordado com saúde; o que essa gratidão significará para o homem que mal se recuperou da hemodiálise? Nunca defenda verdades livrescas, proteja o que promove a vida, considera o perdão e espalha o bem.

Cuidado com o comportamento. Não priorize desafios estratosféricos, tenha tempo para as pessoas. Não lute para cumprir roteiros alheios, prefira a alegria de arrepiar a pele com o afeto gratuito de gente simples. Não se satisfaça em imitar os bem sucedidos, escolha ser um caderno cheio de rabiscos mal corrigidos a uma Suma acadêmica. Não permita que as suas convicções se tornem exigentes, não se deixe suicidar por sua lucidez. Cante mesmo desafinando e dê de ombros se lhe acharem biruta. Fale sozinho. Não tenha vergonha de brigar diante do espelho, aponte o dedo e diga: “como você é ridículo”.

Cuidado com as companhias. Exile-se de seu castelo e vá ao encontro da mulher que aprendeu a voar com a elegância das aves que fogem do inverno. Seja parceiro de quem não esconde a lágrima na hora da emoção. Enlace o amigo que saiu em busca de si – ele pode ajudar a encontrar o homem que um dia você foi. Contudo, não se blinde contra o medíocre, acolha graciosamente quem lhe feriu e seja longânimo com o vil. Desça ao fosso onde jazem e peça um traço de luz para colorir suas patéticas existências.

Cuidado com os sentimentos. Abra-se para o imponderável e se atreva a viver sem apoios. Não tema a insegurança do porvir duvidoso. Arrisque-se, exponha-se. O cauteloso acaba pachorrento. Vidas bem pautadas são exemplos de pusilanimidade. Coma fruta da árvore, sem lavar; dance bolero; tente aprender judô; seja voluntário da Cruz Vermelha; compre pastel de feira-livre.

Cuidado com o tempo. Fixe o átimo ligeiro em sua retina. Torne-se um colecionador de momentos. O tempo passa como uma enxurrada, leva tudo e todos, mas não destrói o que a “alma provou e aprovou”. A mente só guarda o que lhe trouxe alegria, portanto, aprenda a transformar os espaços em catedrais, os dias em sábados, os encontros em alianças e as preces em poesia.

Aconselho tanta precaução porque a vida é frágil e fácil o caminho para a infelicidade. Antes que o coração fatigado se recuse a bater, antes que os olhos se fechem com a tristeza da morte, insisto, tome cuidado.

Soli Deo Gloria

terça-feira, setembro 09, 2008

QUANDO DEUS APARECE

Sempre achei que Deus aparece muitas vezes pra nós de uma forma tão simples que algumas pessoas não conseguem identificá-lo.

Estou muito longe de ser uma panteísta, mas acho que Deus se manifesta nas pequenas coisas que nos cercam.


Quando li esse texto hoje, vi que concordo com muito do que a Martha escreveu.
E o achei de uma simplicidade tão grande que resolvi colocá-lo aqui.




QUANDO DEUS APARECE



Tenho amigas de fé. Muitas. Uma delas, que é como uma irmã, me escreveu um e-mail poético, dia desses. Ela comentava, em detalhes, sobre o recital a que ela assistiu do pianista Nelson Freire, recentemente. Tomada pela comoção durante o espetáculo, ela finalizou o email assim: “Nessas horas Deus aparece.”


Fiquei com essa frase retumbando na minha cabeça. De fato, Deus não está em promoção, se exibindo por aí. Ele escolhe, dentro do mais rigoroso critério, os momentos de aparecer pra gente. Não sendo visível aos olhos, ele dá preferência à sensibilidade como via de acesso a nós. Eu não sou uma católica praticante e ritualística – não vou à missa. Mas valorizo essas aparições como se fosse a chegada de uma visita ilustre, que me dá sossego à alma.


Quando Deus aparece pra você?


Pra mim, ele aparece sempre através da música, e nem precisa ser um Nelson Freire. Pode ser uma música popular, pode ser algo que toque no rádio, mas que me chega no momento exato em que preciso estar reconciliada comigo mesma. De forma inesperada, a música me transcende.


Deus me aparece nos livros, em parágrafos em que não acredito que possam ter sido escritos por um ser mundano: foram escritos por um ser mais que humano.


Deus me aparece – muito! – quando estou em frente ao mar. Tivemos um papo longo, cerca de um mês atrás, quando havia somente as ondas entre mim e ele. A gente se entende em meio ao azul, que seria a cor de Deus, se ele tivesse uma.


Deus me aparece – e não considere isso uma heresia – na hora do sexo, desde que feito com quem se ama. É completamente diferente do sexo casual, do sexo como válvula de escape. Diferente, preste atenção. Não quero dizer que qualquer sexo não seja bom.


Neste exato instante em que escrevo, estou escutando “My Sweet Lord” cantada não pelo George Harrison (que Deus o tenha), mas por Billy Preston (que Deus o tenha, também) e posso assegurar: a letra é um animado bate-papo com Ele, ritmado pelo rock’n’roll. Aleluia.


Deus aparece quando choro. Quando a fragilidade é tanta que parece que não vou conseguir me reerguer. Quando uma amiga liga de um país distante e demonstra estar mais perto do que o vizinho do andar de cima. Deus aparece no sorriso do meu sobrinho e no abraço espontâneo das minhas filhas. E nas preocupações da minha mãe, que mãe é sempre um atestado da presença desse cara.


E quando eu o chamo de cara e ele não se aborrece, aí tenho certeza de que ele está mesmo comigo.



Martha Medeiros

Revista O Globo, 24/agosto/2008


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sábado, agosto 09, 2008

MILAGRE

Eu acredito em milagres.
Sei que Deus pode agir de uma forma que ninguém tenha dúvidas de que um milagre aconteceu.
Sei que Ele também pode fazer milagres menos óbvios, mas que nem por isso deixam de ser milagres.
E sei que muitas vezes, outras pessoas são usadas como instrumentos de um milagre.

Já pedi a Deus milagres. E fui atendida em alguns. E não fui atendida em outros.
Lembro de algumas situações que só mesmo a intervenção de Deus poderia ter causado tal resultado.

Mas também sei que muitas vezes o milagre que pedimos não vem; pelo menos, não com a cara que a gente imaginava.

Hoje eu preciso de um milagre. Um? Talvez mais do que um.

E bem na hora em que eu estava pensando nisso, entro numa comunidade do Orkut e vejo um tópico onde uma mãe pede um milagre para sua filhinha, que foi diagnosticada com uma doença grave. Me senti tão pequena! Tão egoísta! Eu não tava pedindo um milagre para outra pessoa, mas para mim mesma.

Na mesma comunidade, em outro tópico, a discussão era sobre fé. E lá estava de novo o tema “milagre”. Dessa vez, a última pessoa que escreveu falou que acredita sim em milagres e cita alguns que aconteceram com ela. E diz que Deus tem um milagre esperando para quem acredita, para quem precisa, para quem pede.

Eu concordo, principalmente porque ele não diz que Deus tem um milagre para quem acredita e pede. E sim, que Deus tem milagre para quem acredita, que Deus tem um milagre para quem precisa, Deus tem um milagre para quem pede. E eu acho que quem acredita, nem sempre pede. E que quem precisa, nem sempre pede. E que quem pede, nem sempre acredita.

Mas o que eu sei é que Deus sabe quem eu sou e conhece meu coração. E isso me lembra aquela história contada no capítulo 9 do evangelho de Marcos, onde Jesus realiza a cura de menino e diz ao pai do menino que tudo é possível ao que crê. E a resposta do homem a Jesus foi: “Eu creio, Senhor! ajuda a minha incredulidade.”

Hoje eu me vejo assim... como aquele homem, clamando por um milagre e repetindo a mesma frase daquele homem...

terça-feira, julho 08, 2008

PRIMEIRA PÁGINA

Primeira página do Jornal Meia Hora de hoje, dia 08 de julho de 2008:




As frases em vermelho, que estão meio ilegíveis são:
- PMs acusados de matar diarista no Complexo da Penha
- PMs suspeitos de matar garoto de 6 anos no Muquiço
- Soldados do Exército presos com carro roubado
- Policial civil comandou tortura a jornalistas
- Bombeiro fazia avião com carro de promotora


Eu acredito que existam pessoas honestas no governo, nas forças armadas, militares, paramilitares e afins, sim...
Mas que está cada vez mais difícil confiar nas instuituições que deveriam cuidar do país e do povo, é inegável.

Não preciso/não quero dizer mais nada.

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quinta-feira, junho 26, 2008

CERTEZAS

Nossa, quanto tempo sem escrever aqui!

Não que me falte assunto ou tempo. Mas têm me faltado palavras... Logo eu, que sempre gostei tanto de falar, de escrever, de colocar pra fora o que tenho sentido, pensado, ouvido, discutido... E me faltam palavras.

Ou talvez as palavras não estejam faltando e sim, a vontade de me expor, de me desnudar, de me deixar ser vista.

Tenho vivido um turbilhão de coisas. Algumas boas, algumas nem tanto, outras bem ruins. Hoje me sinto no olho do furacão: um lugar calmo, apesar de toda a turbulência ao redor. Temo que essa calmaria seja sintoma de que o coração esteja se fechando; se fechando pra dor, se fechando pra tristeza... mas só para as minhas dores e tristezas; a dos outros ainda me incomodam muito.

Hoje eu li um texto, atribuído ao Mario Quintana, que vou postar aqui. Ele diz muito do que eu gostaria de dizer, muito do que eu sinto, muito do que eu gostaria de colocar num painel de neon e carregar pra todo mundo ver.

Mas acho que quem me conhece de verdade, já sabe disso.




CERTEZAS
Mario Quintana

Não quero alguém que morra de amor por mim… Só preciso de alguém que viva por mim, que queira estar junto de mim, me abraçando.

Não exijo que esse alguém me ame como eu o amo, quero apenas que me ame, não me importando com que intensidade.

Não tenho a pretensão de que todas as pessoas que gosto, gostem de mim… Nem que eu faça a falta que elas me fazem, o importante pra mim é saber que eu, em algum momento, fui insubstituível… E que esse momento será inesquecível...

Só quero que meu sentimento seja valorizado.

Quero sempre poder ter um sorriso estampado em meu rosto, mesmo quando a situação não for muito alegre… E que esse meu sorriso consiga transmitir paz para os que estiverem ao meu redor.

Quero poder fechar meus olhos e imaginar alguém… e poder ter a absoluta certeza de que esse alguém também pensa em mim quando fecha os olhos, que faço falta quando não estou por perto.

Queria ter a certeza de que apesar de minhas renúncias e loucuras, alguém me valoriza pelo que sou, não pelo que tenho… Que me veja como um ser humano completo, que abusa demais dos bons sentimentos que a vida lhe proporciona, que dê valor ao que realmente importa, que é meu sentimento… e não brinque com ele. E que esse alguém me peça para que eu nunca mude, para que eu nunca
cresça, para que eu seja sempre eu mesmo.

Não quero brigar com o mundo, mas se um dia isso acontecer, quero ter forças suficientes para mostrar a ele que o amor existe… Que ele é superior ao ódio e ao rancor, e que não existe vitória sem humildade e paz.

Quero poder acreditar que mesmo se hoje eu fracassar, amanhã será outro dia, e se eu não desistir dos meus sonhos e propósitos, talvez obterei êxito e serei plenamente feliz.

Que eu nunca deixe minha esperança ser abalada por palavras pessimistas…

Que a esperança nunca me pareça um “não” que a gente teima em maquiá-lo de verde e entendê-lo como “sim”.

Quero poder ter a liberdade de dizer o que sinto a uma pessoa, de poder dizer a alguém o quanto ele é especial e importante pra mim, sem ter de me preocupar com terceiros… Sem correr o risco de ferir uma ou mais pessoas com esse sentimento.

Quero, um dia, poder dizer às pessoas que nada foi em vão…

Que o amor existe, que vale a pena se doar às amizades e às pessoas, que a vida é bela sim, e que eu sempre dei o melhor de mim…

E que valeu a pena.


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sábado, maio 03, 2008

O QUE O VENTO NÃO LEVOU



O QUE O VENTO NÃO LEVOU

No fim tu hás de ver que as coisas mais leves
são as únicas que o vento não conseguiu levar:

um estribilho antigo,
um carinho no momento preciso,
o folhear de um livro,

o cheiro que tinha o próprio vento.


Mario Quintana


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sábado, abril 12, 2008

PERTENCER

Passeando na net, achei esse texto da Clarice Lispector. Há algum tempo a questão "pertencer" tem rondado meus pensamentos e pensei em escrever sobre isso. Por ora, o texto a seguir é suficiente, porque consegue traduzir boa parte do que eu tenho pensado e sentido.


PERTENCER
Clarice Lispector

Um amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já começou.

Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.

Se no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a Deus.

Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.

Com o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.

Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço. Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.

Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha própria força - eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.

Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida. (...)

A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho!



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sábado, março 08, 2008

A ESTRELA , O CAOS E O TAPECEIRO



"É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançarina."
(Nietzsche)


Há dois dias vi essa frase no perfil do orkut de um amigo. E tenho pensado nela desde então. Nela e em outras turbulências que têm formado o meu caos particular.

E também há dois dias, vi um dvd de uma pregação do Caio Fábio onde ele contou a sua história. Por diversas vezes me identifiquei tanto com o que ele falava, que parecia que era a minha história. E quando digo isso, não estou me referindo a fatos, mas a situações.

Como é difícil você fazer alguma coisa com o coração aberto, despido de qualquer intenção que não a primeira - única, nesse caso - e ser mal entendido, mal interpretado, injustamente acusado.

Como é difícil chegarmos a um ponto onde tudo parece estar bem, em que dali para frente parece que tudo vai dar certo, mas exatamente ali, tudo começa a dar errado.

Como é difícil agüentar mais uma pancada, quando parece que tudo já dói tanto. E pior ainda é saber que as coisas que mais nos machucam são aquelas que vêm de quem nós não esperamos... porque quando esperamos, já estamos preparados para resistir.

Tantos fragmentos, frases e palavras daquela mensagem ficaram ecoando dentro do meu caos!


No dvd da mensagem, o Stênio Marcius canta uma música linda, chamada “O Tapeceiro”:


Tapeceiro, grande artista,
Vai fazendo seu trabalho
Incansável, paciente no seu tear

Tapeceiro, não se engana
Sabe o fim desde o começo,
Traça voltas, mil desvios sem perder o fio

Minha vida é obra de tapeçaria,
É tecida de cores alegres e vivas,
Que fazem contraste no meio das cores
Nubladas e tristes


Se você olha do avesso,
Nem imagina o desfecho
No fim das contas, tudo se explica,
Tudo se encaixa, tudo coopera pro meu bem

Quando se vê pelo lado certo,
Muda-se logo a expressão do rosto,
Obra de arte pra Honra e Glória do Tapeceiro

Quando se vê pelo lado certo,
Todas as cores da minha vida
Dignificam a Jesus Cristo, o Tapeceiro



O grande alento é saber que Deus trabalha com cada um dos meus fragmentos, para dar ordem ao caos e tecer a minha vida. Mesmo que eu não consiga perceber como isso ocorre, porque muitas vezes a dor é tão forte que quase me cega, o Tapeceiro vai tecendo...


E vai tecendo... até que do caos nasça uma estrela dançarina...




Esse vídeo do youtube mostra o Stênio cantando essa mesma música, mas em outra igreja:



quinta-feira, janeiro 31, 2008

uma versão de duas músicas

Hoje eu vi um filme bem interessante, "Finding Forrester".

Bem no finalzinho, essa versão de "Somewhere Over the Rainbow" e "What a Wonderful World" é a música que toca. Eu amo essa versão, feita pelo cantor havaiano Israel Kamakawiwo'ole.



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