Por algum tempo, meu coração ficou atormentado com essas dúvidas; depois, como quase tudo na vida, elas também foram se tornando em névoa, se dissipando, e acabaram por não mais incomodar. Até que eu li esse texto do Ricardo Gondim, que reproduzo lá embaixo.
A primeira pessoa em quem pensei quando vi o título foi o Ronaldo, não tinha como ser diferente. Lembrei dos seus grandes olhos azuis, do sorriso tão lindo, das nossas brincadeiras de adolescência, dos planos que ele tinha para o futuro... Bem, o futuro pra ele não chegou, mas ainda posso guardar na lembrança o rosto sempre sorridente do menino que morava do outro lado da rua e que deixava poesias em papeizinhos dobrados presos nas grades do meu portão...
Depois, pensei nos amigos com quem convivo atualmente. Lembrei dos mais próximos, dos nem tão próximos... daqueles que vejo praticamente todo dia, dos que eu vejo menos do que gostaria...
Pensei nas vezes em que pude dividir sorrisos, mas também nas em que dividimos lágrimas.
Pensei nas vezes em que fui ajudada, em que pude ajudar, em que precisei de ajuda e tive, em que precisei de ajuda e não tive.
Pensei nas vezes em que o afeto me foi dado e nas vezes em que chorei sozinha...
Pensei mais um monte de coisas... depois de tanto pensar, mais uma vez cheguei ao óbvio: amigos são a família que a gente escolhe; são pessoas maravilhosas, mas que como todos nós, tem seus defeitos; que muitas vezes podem nos ferir, assim como nós também fazemos...
Mas, acima de tudo, amigos são um presente muito, mas muito precioso mesmo que Deus nos dá.
E eu agradeço a Deus por cada um dos meus amigos!
E peço a ele que me ajude a cuidar bem dessas pessoas com que me presenteou: cada uma com seu jeito, seu cheiro, seu gosto, suas certezas, suas dúvidas, seus acertos, seus erros... mas todas peças importantes nesse mosaico louco que é a nossa vida!
Carta ao amigo que se suicidou.
Ricardo Gondim
Quisera dar-te, amigo, todas as coragens que me tornaram ousado quando conquistei a mulher amada. Dar-te-ia também os medos que frearam a ensandecida ladeira da minha irresponsabilidade juvenil. Cortaria um pedaço do coração para transplantar para teu peito a felicidade do primeiro beijo que desvirginou os meus lábios. Eu também te convidaria para pedalar ao meu lado até a mangueira grande e discreta, onde, solitário, confidenciei em solilóquios intermináveis, alguns sonhos impossíveis.
Quisera dar-te, amigo, todos os questionamentos e descobertas que já fiz sobre o mistério de Deus. Eu te convidaria a assistir ao meu primeiro rasgo de conversão. E como, hesitante, desejei a verdade, a mesma verdade que insiste em distanciar-se de mim sempre que imagino tê-la em meus braços. Eu te faria parceiro da minha Primeira Comunhão católica em Londrina; chamaria para presenciar a noite da Profissão de Fé presbiteriana; convidaria para o culto de oração onde recebi o Batismo no Espírito Santo pentecostal; conversaria, inclusive, sobre a minha recente abertura para a espiritualidade existencial. Eu quisera ensinar-te que a jornada em direção ao Divino não é sempre ascendente, mas repleta de altos e baixos. Repartiria assim meus entusiasmos e tristezas para trançarmos nossa amizade como uma corda de muitos fios.
Quisera dar-te, amigo, os instantes magros em que não contabilizei fracassos, só encarei o dever de perseverar. As esperanças idealizadas não pareciam quixotismo. Os projetos faraônicos se mostravam perfeitamente alcançáveis. Tapei enormes buracos com minha ingênua boa vontade; relevei decepções, convencido que não passavam de mal-entendidos. Presentear-te com desapontamentos seria meu jeito de pedir: não desista. Não vire o tablado do jogo. A vida é assim; os homens não são sempre confiáveis, Deus sim.
Quisera dar-te, amigo, meu ouvido discreto, meu olhar atento, meu abraço silencioso. Sinto o ímpeto de colocar-me na trajetória da bala, na frente do trem, no olho do furacão, no meio do terremoto. Para poupar-te, estaria disposto a ser antídoto, escudo, parapeito, bóia, escada, pára-quedas. Faria qualquer coisa: massagem cardíaca, respiração boca a boca, transfusão de sangue. Podias fazer de mim psicanalista, confessor, saco de pancada. Não te condenaria. Não te cobraria. Não te rejeitaria, contanto que disseses que não jogaria a toalha.
Amigo, saber que segastes a vida por conta própria foi o golpe mais duro que já levei. E eu, que não te conhecia tão bem, acordei desolado neste mundo árido. Carregarei a sensação de que poderia ter sido o amigo mais achegado que um irmão. Não fui. E todos perdemos. Mas ao contrário de ti, não vou desistir, sei que ainda posso ser amigo de outro.
(Faz pouco tempo; ainda dói)
Soli Deo Gloria