Depois de tudo, fica a sensação do dever descumprido. Resta um oco de mundo que vai para além da senda finita. Tudo parece se alongar na madrugada escura. Quanto mais se tenta, nada se alcança; quanto mais espera, menos da grande guinada. Sobra o olhar triste do menino afegão. O andar soturno do iraquiano desperdiçado pela guerra, desalenta. O choro quieto da sertaneja mirando a cova do filho, estupidifica.
Depois de tudo, fica o vestígio corroído de rostos, gestos e cheiros; resta o daguerreótipo amarelado de amores perdidos e abraços esquecidos. Quanto mais se procura, mais aparecem amigos sem nome, lugares sem registro, dias sem data. Na mesa, as garrafas vazias; no sorriso, a alegria postiça; no olhar, o passado borrado.
Depois de tudo, ficam a noite insone, os pensamentos acelerados, a tristeza sem causa; resta o pânico inconsistente que nasce tanto da timidez exangue como da inflexão incômoda. Quanto mais se corre, mais falta sangue; quanto mais se tenta gritar, menos fôlego; quem insistir, perceberá o garrote que aperta a alma.
Depois de tudo, ficam a cisma, o vilipêndio, a intimidação; restam a circunspeção alarmada, o cálculo frio, a pusilanimidade fugidia. Quanto mais esforço, mais passos inexistentes apavorando. Censuras irreais embotam o espírito; fatigam as falsas malquerenças. A reprimenda soa como danação eterna e outros, energúmenos.
Depois de tudo, fica a insignificância da vida diante da fúria do tempo. Os relógios viram loucos varridos, os calendários, tigres famintos e nós, centelhas diminutas. Na fresta das eternidades, antecipamos o sol que nos consumirá. Do mirante da juventude, despencamos para a garganta da morte. Liliputianos, terminaremos insubstanciais.
Depois de tudo, fica a sede pelo transcendente. Resta uma vontade doida de repetir: “Ainda não, ainda não”. E rogar: “Por favor, não nos deixe, o dia já está quase findando e estamos com medo desta noite tenebrosa”!
Soli Deo Gloria.
Ricardo Gondim
http://www.ricardogondim.com.br
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