sexta-feira, novembro 17, 2006

TEMPO


Eu tive a felicidade de nascer num lar cristão... Cresci na igreja... A Bíblia sempre foi livro presente e lido na minha casa. Lembro bem da minha mãe contando como eram os cultos domésticos na casa dela, quando solteira: meus avós reunidos com os treze filhos e com os empregados do sitio do meu avô... e a nossa tentativa de reproduzir aqueles momentos na nossa casa.

Eu, quando criança, raramente perdia um debate de versículos, onde cada participante fala um versículo e quem não sabe, sai da roda, até que só reste uma pessoa. Acho que ter uma boa memória me facilitou muito nisso. Mas decorar não quer dizer aprender.


Mas, por estranho que possa parecer, o livro de Eclesiastes não me despertava interesse nessa época, por mais que eu gostasse de ler o Antigo testamento. Isso só foi acontecer numa aula de inglês, do CCAA. Eu devia estar entrando na adolescência, quando aquele texto em um inglês meio arcaico me chamou atenção. Eu não conseguia entender a explicação da professora para “a time to refrain from embracing” (v. 5). Acabei lendo na Bíblia quando cheguei em casa. Aí consegui pelo menos entender as palavras.

Hoje, passado tanto tempo, acho que finalmente estou aprendendo o significado daquelas palavras. Não especificamente do versículo 5, mas do 1º ao 8º, onde fala sobre o tempo, sobre as fases da vida.

“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.
Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;
Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;
Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar;
Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;
Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora;
Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar;
Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.”


Talvez alguns me critiquem, mas me lembra uma música cantada pelo Lulu Santos: “a vida vem em ondas como o mar” (eu acho que essa parte da letra é de uma poesia do Vinícius de Moraes, não tenho certeza). Aprender que a vida tem ciclos parece simples, mas acho que a maioria das pessoas não aprende assim tão rápido. Com certeza, eu sou uma das que demoraram muito para aprender e às vezes me pergunto se aprendi de verdade ou finjo que aprendi e fico me enganando nem sei porque.


O que sei é que alguns tempos são muito difíceis:
o de morrer (quantas vezes já fiz isso?),
o de matar (tanta coisa precisei matar dentro de mim...),
o de arrancar o que plantamos (quantas coisas que pensei que floresceriam e seriam colhidas tiveram que ser arrancadas?),
o de derrubar (só quem viu a realidade destruir um sonho sabe essa dor),
o de não abraçar (como são frios os braços vazios!)
o de perder, o de rasgar, o de guerra
o do choro, o do pranto (quantas estrelas você consegue ver através das lágrimas?)
o de estar calado (como é difícil calar! como é difícil saber o tempo de calar!)

E todos esses tempos difíceis estão aí para nos mostrar que os tempos bons, aqueles com que a gente vive sonhando, também existem. Muito mais do que isso, eles existem, mas não são necessariamente eternos. O que hoje está aqui, amanhã pode não mais estar. Porém, isso não deve ser visto como a faca do carrasco se aproximando do nosso pescoço. Como seria mais simples agradecermos a oportunidade de sermos felizes hoje, cuidarmos do que temos hoje... Não numa busca louca e irresponsável pelo que nos dá prazer hoje, mas conseguindo viver um dia de cada vez, com suas alegrias e tristezas. E tentar descobrir que cada dor pode trazer um motivo de crescimento assim como cada sorriso nos alimenta a alma.


Uma coisa é certa, apesar de toda a minha ansiedade (que também estou aprendendo a controlar): eu estou muito mais tranqüila para ouvir o tempo. Deixar que ele aja. Saber que a grande maioria das coisas não está sob o meu controle pode ser angustiante, mas, por outro lado, me tira um grande peso. Se eu não posso controlar algo, não adianta ficar me torturando por isso. Deixa o tempo tomar conta.


E aí eu lembro de alguns de ditados populares, que falam sobre o tempo. “O tempo é o melhor remédio.” “Não há mal que o tempo não cure.” “O tempo cicatriza as feridas do corpo e da alma.” E penso numa coisa... acho que muita gente chama Deus de tempo...


Marcia Carvalho

PS.: Meu amigo Roberto Amorim fez um comentário lindo aqui. Leiam, vale a pena!

Um comentário:

Anônimo disse...

Pois é, Márcia, na verdade o tempo não cura nada nem ninguém. É verdade que qualquer cura precisa de tempo, mas às vezes confunde-se o necessário com o agente; tempo é necessário para a cura, mas não agente; só ingrediente (e, no caso humano, normalmente o agente da cura do corpo é o próprio corpo).

O tempo não faz ninguém sábio; aprender ao longo do tempo é que faz. O tempo nem mesmo faz alguém velho; o próprio corpo é que, ao longo do tempo, se faz velho. O tempo é premissa para tudo isso, mas jamais agente. E se há tempo determinado para todas as coisas, a maneira como reagimos e identificamos esses tempos não é tão determinada assim; e não somos determinados por nenhum desses tempos, mas tão somente por como nos comportamos em cada um deles.

E aí vem a compreensão maior desse texto de Eclesiastes: de que há tempo para todas essas coisas, mas ele em si não é agente de nenhuma delas, nem daquele que as testemunha. Se há tempo de guerra e de paz, não é o tempo que traz guerra, nem o tempo que traz paz - mas tão somente aqueles que provocam a guerra, ou aqueles que buscam a paz; se há tempo de falar e estar calado, cabe reconhecer isso aquele que fala ou aquele que se cala; o tempo não é mais que substrato das nossas percepções e escolhas, frágil sustentação para a nossa frágil consciência - esta presa ao tempo, é verdade, mas ainda assim capaz de vislumbrar o conceito da eternidade, o que é dádiva do próprio Deus.

Importante, em todos esses tempos, é que aquele que os testemunha deve não saber o tempo como agente, mas transcender o tempo ao sobreviver a todos esses tempos, ao testemunhar todos eles; ao deixar o passado para trás, ao deixar para o dia do amanhã seu próprio mal, e ao viver o dia de hoje; a entender e identificar a eternidade e o Eterno atrás desse tempo fluido e aparentemente inconstante; a encontrar, na incerteza, a certeza dAquele que a tudo transcende, e que determina, Ele mesmo, todos esses tempos; e ao aprender a lição do rio: que o rio que corre nunca é o mesmo, mas, ainda assim, é sempre o mesmo.

Um abraço.

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